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Cultura empresarial: “81% das maiores empresas do Brasil têm visões de uma mesmice impressionante”

Falando honestamente, você se identifica com a visão que sua empresa tem para o futuro? E quanto aos valores, você compartilha de algum? Ou, pelo contrário, mal conhece a visão e os valores do lugar onde trabalha? Conversamos com Odino Marcondes, sociólogo, consultor de liderança e autor do livro O Poder de uma Visão Inspiradora, e ele tem algumas ideias para líderes que desejam transformar suas empresas num lugar mais estimulante e alinhado às expectativas da equipe. Ele ainda recomenda um método para construir uma cultura empresarial forte e conta qual a empresa com a visão mais impressionante que já conheceu, dentre mais de uma centena que ele pesquisou.

Entrevista com Odino Marcondes

A entrevista estava marcada para as duas da tarde. À uma e 59, o telefone toca. Tâmara, assessora da Editora HSM, me cumprimenta gentilmente e transfere a ligação. Pouca espera, ao som de uma trilha agradável, meu entrevistado atende. Agradeço a disposição. A primeira pergunta é sobre a influência que sua formação escolar exerceu sobre o desejo de escrever o livro “O poder de uma visão inspiradora”. Odino é graduado em Ciências Sociais e diz que sempre procurou entender como as pessoas se organizam em torno de um desejo comum e o que fazem para direcionar suas ações nesse sentido, desde empresas até ONGs.

Por isso, então, seu desejo de escrever um livro que investigasse a capacidade das lideranças de empresas de inspirar as pessoas que acordavam todos os dias para estar ali. Ao menos, ao ver dele, assim deveria ser. No entanto, no que dependesse da forma como as empresas formulavam e expressavam suas visões, as pessoas lutariam para acordar todos os dias exclusivamente para chegar a tempo ao escritório, começar suas tarefas e entregá-las, mas por nenhum outro motivo que não fosse este: pagar suas contas.

Algumas metodologias de gestão

Odino conhece algumas metodologias de gestão. Desejo saber mais, ele explica. A primeira que indica é para promover o autoconhecimento, e se usa muito para tentar harmonizar o relacionamento entre líder e equipe. “O Elemento Humano” se chama. Basicamente, a premissa é que você só pode estar bem com seu time se estiver bem consigo mesmo(a). O segundo método é o “LIFO”, um acrônimo de “Life Orientations”. O conceito principal é um clássico, mas com uma nota de rodapé: “Seja quem você é – e não lamente por não ser quem você não é”. “As pessoas passam boa parte da vida perdendo a oportunidade de se focar no que são boas”, Odino reitera.


“As pessoas passam boa parte da vida perdendo a oportunidade de se focar no que são boas”


Por último, chegamos ao método Barrett, em que ele é credenciado. Conta que foi proposto por Richard Barrett, psicólogo inglês, e é adotado para dois fins: caracterizar a cultura empresarial de uma organização e identificar o alinhamento entre seus valores e os de seus profissionais. Envolve uma pesquisa para descobrir se os valores das pessoas estão na cultura empresarial atual e na cultura desejada pela empresa.

“Todos os dias, deixamos algo além do carro no estacionamento da empresa, que são os valores que não podemos expressar na empresa. Devemos nos adaptar, com um ou outro desconforto, é natural. Só é preciso ver o que estamos deixando no estacionamento”. Odino explica que, se você precisa deixar praticamente tudo em que acredita para entrar pela porta do escritório, não há saída, senão buscar outro trabalho.


“Todos os dias, deixamos algo além do carro no estacionamento da empresa, que são os valores que não podemos expressar na empresa.”


O que é uma visão inspiradora?

Pedi que me explicasse o que era uma “visão inspiradora”, expressão que dá nome ao seu livro. Em vez de dizer categoricamente ou dizer em poucas palavras, decidiu contar de onde veio a ideia para escrever a obra. Odino havia pesquisado o conjunto de visão, missão e valores- o que ele batizou como marco filosófico – das maiores empresas brasileiras. E a constatação foi, antes de tudo, uma sequência de frustrações. “Das 100 maiores empresas que analisei, 81% têm visões de uma pobreza, de uma mesmice impressionante. Todas querem ser a maior, a melhor, a mais admirável, a mais rentável.”


“Das 100 maiores empresas do Brasil que analisei, 81% têm visões de uma pobreza, de uma mesmice impressionante.”


Fazer as pessoas brilharem os olhos? Ele não crê que, quando uma empresa diz que deseja ser a mais rentável do Brasil ou do setor, o brilho nos olhos das pessoas que trabalham ali esteja sendo levado em conta. O resultado disso é um ambiente burocrático, em que os profissionais fazem o mínimo, e fim. Uma visão inspiradora não envolve abrir mão da rentabilidade, não é isso, ele esclarece. Mas é preciso cuidar de que existem diferentes níveis de motivação e satisfação.

Um compromisso de sair da zona de conforto. Assim ele define o necessário para dar o primeiro passo rumo a uma reformulação da visão da empresa, literalmente falando. Quer ela esteja numa parede ou num documento online, se não leva em consideração as diferentes expectativas da equipe, nada feito. Pergunto por que “sair da zona de conforto”, e Odino destaca: é um desafio entender se o declarado pela empresa é o praticado pela empresa.

Cultura, Valores e Visão de uma empresa

Avançamos e peço que ele explique qual a diferença entre Cultura e Valores de uma empresa. A cultura empresarial é como fazemos as coisas por aqui. É o comportamento das pessoas. Por trás dos comportamentos, existem valores – o ideal é ter cinco ou seis valores centrais no máximo. Valores são os motivos que levam a fazer ou não fazer algo. Portanto, cultura e valores são aquilo que permite que as pessoas se orientem e tomar as decisões mais difíceis, em situações cinzentas, ou até então inéditas.

No caso, por exemplo, da queixa de um cliente. Você pode atendê-lo mal e não fazer nada a respeito porque a norma da empresa não contempla aquela questão posta pelo cliente. Ou então, você pode assumir um risco, se um dos valores da empresa é ousadia, é pensar grande, e a cultura empresarial é tratar o cliente como prioridade. Num cenário como esse, se você é capaz de explicar uma possível exceção que abriu para satisfazer o cliente, porque se embasou no valor e na cultura empresarial, então, sua atitude poderá ser bem-vinda e até mesmo acarretar uma revisão da norma em vigor, Odino diz.


“A visão deve ser como um mantra do qual todos se lembrem diariamente, ao chegar para trabalhar e ao pensarem em trabalho.”


Em seguida, Odino busca esclarecer o que caracteriza a Visão de uma empresa. Visão é um resultado esperado, futuro, expresso com poucas palavras. O motivo? Ela deve ser memorizável, deve estar entranhada no pensamento dos profissionais, como um mantra do qual todos se lembrem diariamente, ao chegar para trabalhar e ao pensamento em trabalho. Portanto, a Visão deve seguir uma redação específica: ser escrita com substantivo, para expressar a ideia de resultado, e jamais com verbo, que designa uma ação.

A empresa de visão mais impressionante do Brasil

Odino não hesita. Depois de pesquisar mais de uma centena de empresas, é categórico: a visão que mais lhe impressionou foi a da Volvo Caminhões: “Zero acidentes com caminhões Volvo no Brasil”. “Conceitualmente falando, é perfeita. Tem uma tensão interna. Segurança é um preceito ligado à Volvo desde seus primórdios, mas essa visão vai além.

Não adianta fabricar um caminhão seguro se o motorista está, por exemplo, sob efeito de drogas, ou se o motorista vai dirigir numa estrada esburacada. Ao definir essa visão, a marca define que se preocupa com o bem-estar do motorista e com a conservação da estrada. A marca coloca um desafio para o estrategista da organização. E é o que ela de fato faz. A Volvo Caminhões hoje tem programas sérios voltados para ambos, como você pode ver aqui.

Quando o líder ignora os sinais

Muitas vezes, a cultura empresarial vai mal, prejudica a equipe, mas os sinais são negligenciados pelos líderes. Odino concorda: frequentemente, os indícios de que a cultura empresarial precisa mudar para se alinhar às necessidades e desejos da equipe são indiretos. Mas, ele faz uma ressalva: a liderança que está próxima da equipe, que ouve, que conversa e que procura entender quando algo não vai bem, que tem sensibilidade para criar canais para que as pessoas falem, essa liderança pode resolver muitos problemas.

As empresas costumam fazer pesquisas, esse é o termômetro mais usual para descobrir como as pessoas se sentem no trabalho, Odino afirma. Mas, no fundo, ele confessa, o mais prático, e mais óbvio, é o contato humano direto. Acontece é que o custo emocional de conversar pode ser muito alto, porque você pode ouvir críticas, demandas, as pessoas podem trazer agendas com as quais você não está preparado para lidar.


“O custo emocional de conversar pode ser muito alto, porque você pode ouvir críticas, demandas, com as quais você não está preparado para lidar.”


Todo trabalho tem um sentido maior?

Digo para Odino que um dos maiores desafios de um líder talvez seja transmitir à sua equipe um significado maior para aquilo que elas fazem, para o seu trabalho. Quero saber: todo trabalho tem um sentido maior a ser descoberto? Sim, todo trabalho tem sua função social, ele responde. Por mais humilde, por mais simples, tem um significado.

“Dois pedreiros estavam assentando um muro. O primeiro, ao ser indagado sobre o que fazia, disse que era um muro. O segundo, que estava erguendo uma catedral”, Odino exemplifica com uma história e, em seguida, cita a História. “Desde a Revolução Industrial, o trabalho vem sendo fragmentado e as pessoas começaram a perder a visão da contribuição do que fazem, perderam a noção do todo. É só um muro, a maioria pensa.”

Carreira e conflitos

Em O Poder de uma Visão Inspiradora, Odino Marcondes cita outro livro, Longe da árvore, de Andrew Solomon, onde é descrita a diferença que há entre duas identidades de uma pessoa: a vertical (herdada dos pais) e a horizontal (não herdada, ou formada na relação com outros pares, como amigos e colegas). Diante disso, conversamos sobre a manifestação e a influência da identidade na carreira.

Pergunto sobre o dilema em que jovens, especialmente da Geração Y, se veem entre seguir a carreira que querem ou optar pela mesma vida de seus pais, pela segurança. Odino acredita que não há problema algum em seguir os pais, mas diz que é importante entender o quanto da sua identidade horizontal você desenvolveu. A identidade vertical indica a força da sua personalidade, enquanto a horizontal diz respeito à sua riqueza. Logo, uma identidade predominantemente vertical é aquela que se fecha para aprendizados. E uma identidade horizontal demais é aquela que caminha sem grandes referências.

Odino diz que gosta muito de um pensamento do escritor alemão Johann Goethe: “A função dos pais é dar aos filhos duas coisas: raízes e asas”. Diz que, com esta ideia, podemos concluir duas coisas: se você cresce muito enraizado, suas asas não se desenvolvem, ficam pequenas. Se suas asas crescem muito, as raízes estão sempre a ponto de romper.

A identidade de uma empresa

Destaco, então, o paralelo que Odino faz com uma empresa, que teria também sua identidade vertical, formada pelas crenças de quem a fundou, e sua identidade horizontal, constituída pelos valores daqueles que se agregaram à cultura empresarial ao longo da sua existência, e por ajustes que teve de fazer por influência do mercado ou de investidores, por exemplo. Pergunto se, assim como acontece a uma pessoa, uma empresa pode desenvolver sua identidade horizontal, pela influência da equipe, a ponto de ir deixando para trás a sua identidade vertical, herdada da fundação, e mudar completamente o que começou a ser.


Toda empresa tem valores. A diferença é que algumas investigam, descobrem e usam deles para tomar decisões.


Ele diz que vê nas organizações, na realidade, uma tensão entre suas duas identidades. E afirma: “toda empresa tem valores. A diferença é que algumas investigam, descobrem e usam deles para tomar decisões.” Certas empresas são guiadas durante décadas pelos mesmos valores. No entanto, existe aquela cultura empresarial baseada em crenças dos fundadores, mal explicadas, que as pessoas repetem sem entender por quê.

Crenças devem passar por um crivo, devem ser lógicas, justificáveis, para se transformarem em valores. E se existe uma forma de passar essa peneira é entendendo se os valores da empresa são minimamente próximos dos valores daquelas pessoas que todos os dias acordam e se locomovem para estar ali, durante horas.

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