Se meu Fusca tivesse um app

As cidades importantes na Alemanha são parecidas entre si. Muitas estão se aproximando e umas quantas já passaram da marca de mil anos da sua fundação. Uma grande catedral costuma ser o ponto de referência do centro. Geralmente, um rio passa por perto.

Também tem sempre uma grande praça com uma estátua, preferencialmente equestre, de algum rei importante: em Berlim, Frederico, O Grande, rei da Prússia; em Dresden, Augusto, O Forte, rei da Saxônia; em Munique, Ludwig I, rei da Baviera, que não tinha um apelido, mas teve um sucessor que foi Ludwig II, O Louco.

Assim como Berlim é cortada pelo rio Spree, Dresden pelo Elba e Munique pelo Isar, Wolfsburg, uma cidade de cerca de 100 mil habitantes no norte da Alemanha, é dividida pelo Aller.

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Mas as semelhanças param por aí. Wolfsburg é uma das pouquíssimas cidades do país fundadas no século 20. Ela não comemora líderes com estátuas equestres, nem tem uma catedral imponente.

O centro geográfico da cidade é ocupado por um museu dedicado ao automóvel. Logo atrás dele, se elevam as chaminés da maior fábrica de carros do mundo, iluminadas à noite e visíveis de longe.

Do outro lado do rio, onde o terreno é menos plano, ficam as casas dos primeiros moradores, os operários da fábrica.

Wolfsburg é assim porque ela foi projetada para ser assim. A cidade foi inaugurada em 1938, quando se chamava “Cidade do Carro KdF”, tendo como meta, bem, produzir carros e um modelo chamado KdF.

Tudo parece vagamente burocrático e isso também não é acidental. Porque tudo fazia parte de um plano do regime nazista, motivo pelo qual ficaram de fora os monarcas do passado e as igrejas, coisas sem prestígio com Adolf Hitler.

O carro KdF (sigla para Força através da Alegria, o que parece um grupo de pagode, mas é um slogan nazista) é o que o Brasil veio a conhecer como Fusca. Wolfsburg é até hoje a sede da Volkswagen.

Um celular sobre rodas

Recentemente, a Volkswagen lançou o Volkswagen We, com a promessa de acelerar o “desenvolvimento de um ecossistema com o seu próprio know-how sobre software e a força de parceiros externos”. Isso com a meta de “fazer o carro o centro da Internet das Coisas” e um “serviço digital sobre rodas”.

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Trocando em miúdos, a Volkswagen parece ter planos para deixar seus carros mais parecidos com um celular, criando junto com isso a sua própria loja de aplicativos. A retórica veio com um cheque junto: 3,5 bilhões de euros a serem investidos até 2025.

A Volkswagen já tem algumas aplicações orientadas com essa visão, pelo menos na Europa. É possível pagar o estacionamentos em 20 cidades da Alemanha usando um app da marca e autorizar uma terceira parte a fazer uma entrega direto no seu porta-malas em Berlim.

Outro objetivo da montadora é que, até 2020, todos os seus carros estejam conectados. Hoje, apenas 1,5 milhão o está. Vale lembrar que a montadora fabrica cinco milhões de automóveis por ano.

Tudo isso é relativamente café pequeno e não muda muito o modelo de negócio da VW, que, no final das contas, quer é vender um carro para alguém dirigir, por mais coisas que se coloque ao redor dele.

A grande novidade é que a empresa agora entrou no segmento de compartilhamento de carros. O que deve começar em Berlim no ano que vem com dois mil carros elétricos e, em 2020, já deve estar disponível em outras cidades na Europa e alguns alvos selecionados na América do Norte.

As frotas de carros estacionados pelas cidades e disponíveis para motoristas sob demanda já são uma realidade em muitas cidades americanas, onde as primeiras iniciativas do tipo começaram há mais de 10 anos.

Assim como os aplicativos de transporte com motoristas, esse modelo levanta a questão da necessidade de possuir um automóvel. E os jovens, por seu lado, parecem cada vez menos interessados em comprar um carro.

No médio prazo, um desafio ainda maior surge no horizonte: carros autônomos, sobre os quais a VW falou muito pouco no seu evento.

Curiosamente, na mesma semana em que a VW anunciou seus planos para criar um ecossistema digital com compartilhamento de carros, a Toyota, montadora japonesa com a qual os alemães disputam a liderança do mercado mundial, anunciou um investimento de US$ 500 milhões no Uber, uma empresa que está fazendo as duas coisas.

Vem aí uma nova forma de andar de carro e não há um líder claro.

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De volta em Wolfsburg

A indústria inaugurada, em 1938, para fabricar o KdF Wagen nunca chegou a produzir carros de passeio, sendo usada para produzir veículos militares. Ao final da guerra, ela estava mais ou menos em ruínas.

A “Cidade do Carro KdF” ficou na área de ocupação britânica e foi rebatizada como Wolfsburg, em abril de 1945, menos de um mês depois do fim da guerra.

A linha de montagem da fábrica deveria ser enviada para o Reino Unido, onde os Fuscas poderiam ser produzidos. Só que nenhum fabricante quis comprar os equipamentos.

Em uma dessas opiniões erradas que ficam famosas, o governo britânico concluiu que o Fusca não atingia os requisitos técnicos de um carro e não seria atrativo para um comprador médio.

Enquanto isso acontecia, o major Ivan Hirst, responsável pelo controle da fábrica, fez um pedido de compra de 20 mil Fuscas a serem usados pelo Exército britânico. A ideia era conseguir dinheiro para os moradores da cidade terem o que comer.

Hirst vinha de uma família de fabricantes relógios e, como tantos ingleses famosos, se tornou conhecido pela obstinação em realizar uma ideia exótica: fazer a fábrica funcionar, em um país em ruínas, com problemas sérios de fornecimento de peças e com todo mundo dizendo que não ia dar.

Em 1948, o controle da fábrica foi oferecido para a Ford, que não aceitou. No ano seguinte, Hirst voltou para a Inglaterra, deixando a fábrica nas mãos do governo da nova Alemanha Ocidental e comandada por um sucessor alemão.

Os funcionários da fábrica quiseram dar um Fusca de presente para Hirst, mas ele não aceitou.

No lugar, ele recebeu um modelo feito em escala com 50 centímetros, que provavelmente custou mais caro para fazer do que um carro de tamanho normal. Mas deve ter agradado um filho de relojoeiro, falecido em 2000, a tempo de ver a VW virar uma potência mundial.

Heinrich Nordhoff, o novo presidente, pôs em prática o método consagrado de manufatura na Alemanha: melhoria incremental em produtos e processos ao longo de anos (ou séculos, se nós pensarmos que os equipamentos de aço sofisticados eram uma das especialidades do país já no século 15).

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Nenhum carro sintetiza melhor esse espírito do que o Fusca, no qual só os iniciados conseguem ver as mudanças no estilo dos modelos de anos diferentes.

O automóvel logo se tornou um sucesso internacional, com a fábrica no Brasil abrindo em 1959. Além disso, uma estratégia de marketing baseada em comerciais, que fizeram história, popularizava o Beetle nos Estados Unidos.

A VW e a Alemanha precisam se reinventar

A história da Volkswagen é emblemática da reconstrução da indústria automotiva na Alemanha depois da guerra. Lançamentos como o We esperam significar algo similar, em um momento em que a indústria do país enfrenta outro grande desafio.

O modelo cauteloso, que vem melhorando o motor de combustão desde a invenção dele por Karl Benz e Gottlieb Daimler, lá em 1886, parece estar nas últimas, sacudido por novos competidores operando em outros paradigmas.

Os últimos anos viram a ascensão da Tesla, que lançou um carro elétrico de luxo em 2012. E, apesar dos problemas do seu CEO com analistas de mercado chatos e artistas indiscretos, a companhia está adiantada em tecnologia de veículos autônomos e quer lançar um carro sem direção já no ano que vem.

Os carros autônomos do Google, tida como a empresa mais adiantada nessa área, já estão em fase de teste incomodando motoristas humanos na Califórnia há um ano. Muitos analistas apontam a entrada no mercado de carros como a próxima tacada da Apple.

Durante o lançamento do We, a Volkswagen anunciou também uma nova “arquitetura de TI” para os carros, unificando os diferentes programas que rodam dentro do carro (até 70 em cada veículo) em alguns poucos computadores de bordo com uma linguagem de programação só.

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No futuro, os serviços serão entregues através do vw.OS, um sistema operacional para carros.

Com hardware e software separados, a Volkswagen terá mais facilidade para fazer updates contínuos do sistema, algo que a Tesla já faz e que é indispensável para ter carros autônomos funcionais nas ruas.

Mas complicado é o salto conceitual de uma organização voltada para engenharia mecânica, que revisa os produtos e só os lança quando estão teoricamente perfeitos (e para quem o recall é um desastre), para uma de desenvolvimento de software (para quem um recall não é um recall, mas um update).

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Até agora, um bom resumo da situação foi dado por Brigitte Zypres, até recentemente ministra da economia e tecnologia da Alemanha: “Na era da Internet das Coisas, os Estados Unidos têm a Internet. A Europa tem as coisas.”

Ter só as coisas pode significar transformar as montadoras da Alemanha em fábricas de móveis do luxo, o que seria um grande problema.

A indústria automotiva do país responde por um em cada sete empregos, um de cada três euros gastos em inovação e um quinto do valor das exportações.

No entanto, convém não exagerar a ameaça representada pelo Vale do Silício. Fazer um carro é uma tarefa bem complicada, como mostram as dificuldades da Apple.

Fazer milhões deles capazes de andar sozinhos nas ruas, sem matar um monte de gente no processo, mais ainda. É mais do que provável que a Volkswagen ainda tenha algo a dizer nessa disputa.


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